A imensidão do Atlântico, desolado, inspira imagens que preencham a monotonia da paisagem. Há aquelas que constroem uma determinada ideia sobre a guerra que se aproxima; há outras, contudo, que evocam a casa que é deixada para trás – sua segurança, estabilidade, afetos e cotidiano. Os praças brasileiros, ao passearem pelo convés, costumam fixar o olhar na vastidão do horizonte. Mas agora se apresenta como um duplo: à proa, a incerteza do que está por vir para a recém-criada identidade de militares; à popa, a familiaridade já rarefeita de identidades como irmãos, amigos, filhos.

A constante presença da morte desestrutura o cotidiano. Paira aterrorizando qualquer tentativa de cotidiano a ser criado apesar da guerra. Relembra-se histórias de casa, mas os símbolos e o dia-a-dia militares frustram qualquer respiro de tranquilidade. Mas um rito inusitado em alto mar poderia ser capaz de reverter essa primazia das identidades militares sobre as civis.

Ao avistar o estreito de Gibraltar, a história pessoal de José Gonçalves cruza involuntariamente com tantas outras orquestradas pela dimensão da Segunda Guerra Mundial. Uma delas é a Príncipe desterrado que, ao longo da jornada, passa a reconfigurar sua ideia de casa. Eles, José Gonçalves e o Príncipe exilado, evocam esse horizonte de imagens que lhes poderia alimentar com algum senso de estabilidade e permanência.

Há algo que é capaz de habitar as coisas para além das coisas. O esboço em grafite de uma caixa guarda o segredo de um carneiro que é colocado dentro dela; a costa europeia abriga o quadro e o giz das aulas de História do frei Orlando, no interior de Minas Gerais. Ser capaz de reconhecer esta vida que jaz sob as coisas pode, ao mesmo tempo, anestesiar a identidade militar e evocar a casa – ou asteroide.